quarta-feira, 10 de julho de 2013

UM ABELHUDO

UM ABELHUDO

            Sou primogênito de um total de oito irmãos. Nascido aos dezesseis dias do mês de julho de 1958, em Fazenda Velha, município de Itapemirim - ES. Meus pais, humildes lavradores com pouco recurso para trabalharem a terra, dependiam, muito cedo, da minha ajuda para sustentar meus irmãos. Mas se depararam com um grande problema; eu era “preguiçoso”. Por várias vezes, quando era obrigado a capinar, interrompia a seqüência de enxadadas, para observar, minuciosamente, um ninho de formigas que, por ventura, tivera sido atingido pelos golpes da enxada. Na roça, prolongava a sede do meu pai, que lidava sob o sol escaldante, demorando mais que o tempo necessário, para buscar água em uma cacimba, em cujas imediações sobrevoavam libélulas de diferentes cores e tamanhos, pairando sobre o espelho d’água como se admirassem suas próprias imagens nele refletidas. Assim, passava boa parte do tempo que dispunha, em obcecada observação ao comportamento dos insetos.
        Aos quinze anos de idade deixei a companhia dos meus pais. Queria ser auto-sustentável, retomar os estudos interrompidos na quarta série por falta de opção. Meus pais logo perceberam que eu não tinha a menor vocação para as labutas na roça, permitiram e até contribuíram para minha mudança para a zona urbana, indo morar e trabalhar com meu tio; um carpinteiro que havia deixado Fazenda Velha anteriormente com sua família para morar na localidade de Barra do Itapemirim onde seus filhos teriam maior condição de estudar.
        Desse modo, em vinte seis de dezembro de 1973, ao entardecer, ajudado pela minha mãe, juntei em uma sacola as roupas que possuía, caminhei até a estrada, tomei uma carona e parti feliz. Era o inicio de uma nova fase na minha vida. Fui trabalhar como auxiliar de carpinteiro em uma fábrica de esquadria que o meu tio havia montado. Passei no teste de avaliação. Era dedicado e gostava do que fazia e, não mais sentia preguiça, sem, no entanto, ter perdido o interesse pelos insetos. Minha satisfação ainda não era completa, queria continuar os estudos, mas, só consegui uma vaga para matricular-me no período noturno em 1975 quando, então, passei a cursar a quinta série na Escola de Primeiro e Segundo Grau Washigton Pinheiro Meirelles, na qual permaneci até terminar o segundo grau, me formando em Crédito e Finanças.
        Apesar de morar e trabalhar na cidade gostava da vida pacata do interior e, sempre que podia, passava os finais de semana na casa dos meus pais. Lá, conheci melhor Maura, uma colega das minhas irmãs filha de um casal visinho, com quem viria me casar em dezessete de maio de 1980. Em 1983, com conhecimento ampliado na arte do ofício, sai da Barra para assumir cargo de carpinteiro chefe em uma carpintaria em Iriri, município de Anchieta - ES. Éramos, então, uma família; eu, Maura e Neylla, nossa filha de um ano de idade. No mesmo ano sofri um acidente de trabalho, perdendo três dedos da mão esquerda. Apesar da gravidade do fato não restou nenhuma seqüela traumática que perturbasse meu estado mental e continuei trabalhando no mesmo serviço. Fabricava portas, janelas e outros artefatos de madeira sob encomenda. No inicio de 1988, um apicultor fez um pedido de dez colméias do tipo americana, que tem padrão mundial para a criação de abelhas da espécie apis. Ao ouvir o apicultor explicar o funcionamento de um ninho de abelhas na medida em que detalhava o mecanismo, usando para tanto, uma caixa modelo, fiquei fascinado. Não desperdicei a oportunidade e, nas diversas vezes em que estive com o profissional, impulsionado pela curiosidade latente, extrai dele o máximo de conhecimento que pude. Ao executar o trabalho pedido, fabriquei uma unidade a mais. Capturei um enxame, obtendo assim, minha primeira colméia de abelhas africanizadas (abelha de ferrão existente atualmente, em estado selvagem, em todo Brasil). Eu já criava abelhas nativas, porem, sem nenhuma técnica especial. A paixão pela nova atividade deu mais uma virada em minha vida; buscava conhecimento teórico em todas as fontes que tratasse do assunto, e vivenciava a prática com verdadeira empolgação. Comecei a fabricar Caixas de Ninho, Melgueiras, Caxilhos, adquirir enxames etc... Iniciava assim, o “Apiário Fazenda Velha”. No começo era mantido como “hobb” e o tempo de dedicação se restringia aos finais de semana, e a atividade era então conciliada com o trabalho na carpintaria até 1992, quando sofri novo acidente de trabalho, dessa vez perdendo parte do dedo indicador da mão direita. A essa altura dos acontecimentos, já cogitava a possibilidade de me dedicar tão somente à Apicultura. Prolonguei por tempo indeterminado o período que ficaria fora do trabalho para necessária recuperação do mencionado acidente, abdicando assim, de uma profissão consolidada para me lançar num mercado totalmente desconhecido. Não obstante, tinha um propósito em mente; produzir mel de boa qualidade. Sempre prezei por aperfeiçoar, a cada repetição, o que fazia. Dessa vez não era diferente, afinal, estava fazendo o que mais gostava de fazer; lidando com inseto, e diante da possibilidade de sobreviver desse prazer.
        Fiz o caminho de volta para a Fazenda Velha, igualmente feliz quanto a dezenove anos passados quando desse lugar parti.
         Ao longo desse tempo aprendi muitas coisas e constatei outras tantas. Entre elas, a de que eu não era preguiçoso, apenas nunca me vi como um potencial lavrador. Daí a minha conclusão: muitos dos maus profissionais, não tiveram a sorte de descobrir as suas verdadeiras vocações.
        Hoje, na atividade da apicultura, após ter passado pelos percalços da mudança de profissão, ter superado a inexperiência de um principiante e ganho a confiança de boa parte do mercado consumidor de mel, sei que ainda há muito o que ser feito em prol da apicultura brasileira. Os constantes desmatamentos, o uso indiscriminado dos produtos agrotóxicos, a poluição do meio ambiente, as grandes queimadas...  são exemplos de agressão à natureza que contribui, e muito, para uma produção decrescente de néctar a cada ano, fazendo da nossa região péssima produtora de mel, no que diz respeito a rentabilidade. Mas o gosto pelo o que faço não me deixa sucumbir, nem me acomodar. Na esperança de dias melhores, busco aperfeiçoar meu trabalho para superar as dificuldades emergentes.
        Urge a necessidade de se tomar providências com visão futurísticas no sentido de salvar o nosso planeta. Isto já é sabido. Necessário se faz mirar no exemplo de uma colônia de abelhas, onde a harmonia com a mãe-natureza é perfeita e notória. Cada indivíduo parece saber da sua importância no eco-sistema, no qual contribui com a perpetuação da espécie explorada, ao coletar o alimento, através da polinização de suas flores, fazendo aumentar a produção de frutos e sementes férteis.
        Eu sou Aldemir Gomes de Souza e este é um breve relato da minha vida. 


Aldemir Gomes                          

segunda-feira, 8 de julho de 2013